segunda-feira, 22 de abril de 2024

MEDICINA: BRASIL CHEGA A DEZ ANOS DO USO MEDICINAL DA MACONHA - RN NA VANGUARDA

10 anos da maconha medicinal no Brasil; o quanto avançamos no RN

Era um sentimento confuso. Yogi Pacheco sabia que estava cometendo um crime. Mas dormia com a consciência tranquila. “Tem alguém que você ama muito, sua mãe, e você vê que ela está definhando. Aí tem algo inaceitável para a sociedade, algo ilegal, mas que pode fazer a diferença na vida dela”, reflete Yogi, ao relatar o caminho que desbravou até conseguir oferecer um tratamento mais eficiente e com melhor oferta de qualidade de vida para a sua mãe, Márcia Pacheco, portadora de Parkinson, uma doença degenerativa e incurável.

Neste mês de abril, quando se completam 10 anos da Maconha Medicinal no país, a Saiba Mais traz uma reportagem especial sobre os avanços, novidades e desafios que envolvem o tratamento com cannabis no estado do Rio Grande do Norte.

“Em 2006 mamãe foi diagnosticada com Parkinson. Existem diferentes tipos de sintomas. Tem gente que treme, gente que a musculatura fica dura, trava, não consegue andar. A noite, às vezes, é o período mais estressante. O paciente de Parkinson geralmente sonha muito, tem um sono fraco, grita. Mamãe teve todos esses sintomas. E depois de quatro anos de tratamento com drogas convencionais, uma delas a Levodopa, os remédios passaram a não fazer mais efeito”, descreve Yogi sobre a fase crítica que precisou encarar com sua mãe. “Os tremores não cessavam, ela ficou com incontinência urinária, falta de apetite, a depressão começou a bater forte e o déficit cognitivo avançava bastante a cada mês. Mamãe vivia dopada e estava definhando muito rápido”. 

Foi num vídeo do neurocientista Renato Malcher que Yogi ouviu pela primeira vez que havia pesquisas que apontavam que a cannabis trazia benefícios no tratamento do Parkinson. A partir desse momento, ele foi atrás de pesquisar tudo sobre o assunto. Era meados de 2010, não havia tratamento autorizado ainda no Brasil. O preconceito era gigante. Ele levou a ideia para a família, houve resistência de imediato. Porém, diante do avanço da doença e não tendo mais ao que recorrer, a família aceitou.

“Por desespero, surgiu a coragem de usar. Estavam mamãe e papai no sofá da minha casa. Eu não sabia extrair o óleo. Comprei uma flor com um amigo. Coloquei no cachimbo. Os tremores da minha mãe estavam muito fortes, precisei segurar o cachimbo para ela. E a reação foi imediata, impactante. Não estávamos preparados para aquilo. É emocionante lembrar dos olhos da minha mãe. Ela olhando para mim, para o meu pai. ‘Meu deus!, olhem isso!’. Os tremores simplesmente pararam”.

Depois veio a dificuldade de lidar com o estigma da planta, a ideia de ser vista como maconheira, não entender a diferença do uso medicinal. Seguiram três anos com Yogi fazendo os cigarros de maconha para a sua mãe. Mas não sem uma metodologia de tratamento. Algo empírico mesmo. “Começamos uma metodologia de tentar achar a dose mais confortável. Cada trago, cronometrávamos os minutos para observar o efeito antes de chegar no estado entorpecente”, explica.

Passar para a vaporização foi outro processo de adaptação e experiências até encontrar a dosagem certa. Sua mãe sempre disposta, atenta, reconhecendo as melhoras na rotina. Yogi então aprende a fazer a extração do óleo da cannabis, o que permite ter maior controle sobre a dose de tratamento.

“Percebemos que os tremores reduziram em cerca de 90%. Ela recuperou o apetite, melhorou o humor e o sono. A qualidade de vida dela melhorou completamente. Não só a dela, mas a de todos nós que estávamos ajudando”. 

Yogi, que hoje é professor de kickboxing nos Estados Unidos, cultivou maconha em Natal de maneira clandestina por quase oito anos para o tratamento da sua mãe. Ninguém sabia, nem seus amigos. A situação só mudou em 2017. Em uma audiência pública para debater a cannabis medicinal na Paraíba, ele expôs pela primeira vez sua história. Deu a cara a tapa, sabendo dos riscos.

“Meu depoimento abriu portas. Me senti acolhido na Paraíba. Entrei em contato com pessoas que me ajudaram muito. E depois de quase dez anos de tratamento experimental, em casa, na clandestinidade, mamãe recebeu sua primeira prescrição médica”, orgulha-se Yogi.

Também em 2017, sua mãe, Márcia Pacheco, recebeu autorização na Justiça do Rio Grande do Norte para continuar cultivando maconha em casa para o tratamento. Em parceria, a Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN ficou responsável pela medição do medicamento produzido. Yogi e Márcia foram os primeiros no Brasil a conseguir autorização judicial para cultivo de cannabis para tratamento da doença de Parkinson.

O pioneirismo do RN nas pesquisas com cannabis

A partir da lei estadual, começaram a surgir vários desdobramentos, como o edital de pesquisa promovido pela Fapern, em 2022, com recursos de R$ 300 mil para financiamento de cinco projetos de pesquisa, seja para fins terapêuticos ou industriais.

Uma das pesquisas é da Reconstruir em conjunto com a startup Liamba. Trata-se de um protótipo de tijolo de cânhamo, o famoso hempcrete. A ideia é reaproveitar as fibras e caules descartados das plantações dos pacientes com habeas corpus do estado. O projeto está sendo desenvolvido no departamento de Engenharia da UFRN.

“Também estamos encaminhando projetos de capacitação para profissionais da saúde em relação ao uso terapêutico da cannabis”, informa Felipe. “Então essa lei estadual é uma lei que promove educação, promove saúde, reconhece o uso terapêutico da cannabis. Mas, infelizmente, ainda não pode ultrapassar a lei federal, que seria com relação ao cultivo”.

Também no Rio Grande do Norte, a UFRN foi pioneira ao conseguir, em 2022, autorização da Anvisa para cultivar a planta com fins científicos. Era algo que várias instituições pleiteavam desde 2013, porém coube a UFRN, por meio do Instituto do Cérebro, dar o pontapé no cultivo para pesquisa.

Segundo o professor Cláudio Queiroz, que coordena o setor, as pesquisas se dão na fase pré-clínica, ou seja, sem envolver testes com seres humanos. O objetivo é, inicialmente com uso de animais, avaliar o perfil de diferentes compostos da cannabis sobre doenças que atingem os humanos, como epilepsia, depressão e autismo.

Fonte: Saiba Mais


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