Decisões do juiz que usou nome falso podem ser anuladas? Advogado explica
Alexandre Mazza defende que princípio da segurança jurídica deve prevalecer para evitar anulação em massa de decisões proferidas ao longo de mais de duas décadas.
Um homem utiliza nome falso por mais de 40 anos. Neste meio tempo, forma-se em Direito, é aprovado em concurso para a magistratura e exerce a profissão por mais de 20 anos. Agora, descobre-se que, por todos esses anos, o nome utilizado por ele era falso.
É esse o caso de José Eduardo Franco dos Reis, ou seria Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield? Ele foi denunciado pelo MP/SP, e sua conduta é investigada também pelo TJ/SP.
Agora, questiona-se: as decisões proferidas por ele podem ser anuladas?
Sobre o polêmico caso, Migalhas entrevistou o advogado Alexandre Mazza, especialista em Direito Administrativo. Para o professor, embora o vício na investidura do magistrado seja grave e fundado em crimes como uso de documento falso e falsidade ideológica, a anulação de suas decisões seria impraticável e juridicamente danosa.
Segundo Mazza, a principal discussão jurídica gira em torno da possibilidade de nulidade dos milhares de atos praticados por José Eduardo ao longo de sua carreira: sentenças, despachos, audiências e ordens administrativas. Em tese, afirma o advogado, a investidura no cargo teria sido contaminada por um vício insanável, já que decorreu de conduta criminosa.
"A teoria do ato administrativo inexistente prevê que, em situações de altíssima gravidade, os vícios não prescrevem. Portanto, mesmo após mais de 20 anos, seria possível anular todos os atos praticados por ele", explicou.
No entanto, Mazza pondera que a aplicação dessa teoria traria "efeitos práticos desastrosos". Ele cita, por exemplo, casos de réus que foram condenados por sentenças do juiz e que já cumpriram suas penas. Isso levantaria questionamentos como o direito à indenização por condenações baseadas em decisões de um magistrado com identidade falsa.
Diante desse cenário, o advogado sustenta que os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica devem prevalecer, impedindo a anulação generalizada dos atos judiciais.
Para o professor, o juiz, apesar da identidade falsa, preencheu todos os requisitos técnicos para exercer a função: frequentou regularmente a Faculdade de Direito da USP, foi aprovado em concurso da magistratura e exerceu a carreira com conhecimento jurídico.
"Ele não é um usurpador de função pública, como seria o caso de alguém que nunca passou em concurso e mesmo assim exerceu atos típicos de juiz", explicou, ressaltando que há precedentes mais graves no ordenamento jurídico brasileiro.
O advogado alerta, no entanto, que a situação pode se agravar caso a USP decida anular o diploma do juiz. Nesse cenário, sim, haveria base para desfazer todos os efeitos jurídicos dos atos por ele praticados, pois estaria comprometida a própria formação acadêmica, requisito essencial para o ingresso na magistratura.
Alexandre Mazza conclui que, com base na jurisprudência e no bom senso jurídico, é provável que as instâncias superiores do Judiciário reconheçam a validade dos atos praticados e a legitimidade da remuneração recebida por José Eduardo. "Com a palavra, a USP e o Poder Judiciário", finaliza.
Fonte: www.migalhas.com.br