ELOGIO DA PREGUIÇA
(A mim mesmo)
Juvenal Antunes
“Preguiça amamenta muita virtude”.
Machado de Assis (Relíquias de Casa Velha, pag. 50).
Bendita sejas tu, preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada.
Mas queiras tu, preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Está na Bíblia esta doutrina sã:
Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim já e grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios! Dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento.
Todo trabalho humano em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra.
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões.
Juristas, que queimais vossas pestanas!
Tudo o que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas.
Cresce o teu filho; é forte, é belo, é louro.
Mais uma res votada ao matadouro!
Pois, se assim é, se os homens são chacais
Se preferem a guerra à doce paz.
Que arda depressa a colossal fogueira
E morra, assada, a humanidade inteira!
Não seria melhor que toda a gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte!
Queres riquezas, glórias e poder...
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,
Ou seus antepassados que, selvagens,
Comiam, livremente, nas pastagens?
Do trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas.
Talvez o sejam mais, vivendo em farras,
As preguiçosas, pálidas cigarras.
Ó Laura! Tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei a hora da entrevista,
E que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor por outro amor,
Ou, que receando a fúria marital
Não quis pular o muro do quintal,
Que me não faças mais essa injustiça!
Se, ontem, não fui te ver, foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar...
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