quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

"NEPOBABIES" A HERANÇA POLÍTICA QUE VAI PASSANDO DE PAI PARA FILHOS E PARA NETOS NOS MANDATOS REPRESENTATIVOS NO BRASIL

Nepobabies eleitos: os filhos e netos da política brasileira

Heranças políticas moldam disputas de 2026 e revelam como dinastias familiares seguem determinando o acesso ao poder no Brasil contemporâneo

Quando o termo "nepobaby" explodiu nas redes sociais em meados de 2022, surgido originalmente no universo do entretenimento norte-americano para definir celebridades que alcançam projeção por serem filhas ou filhos de famosos, ainda havia quem acreditasse que o conceito se limitava ao show business.

Foi o jornal New York Magazine que popularizou o vocábulo, transformando-o em fenômeno digital. Desde então, a palavra entrou para o debate público global como símbolo de uma nova forma de compreender privilégios herdados, uma sociologia da celebridade aplicada à lógica do pertencimento familiar.

Se no show business a polêmica é nova, no Brasil ela tem raízes históricas profundas. Muito antes de parlamentos, democracia ou partidos, estruturas de poder ligadas a famílias dominantes já definiam quem governava localidades inteiras, um traço que migrou do sistema colonial e foi reconfigurado ao longo do Império, da República Velha e da era dos coronéis.

Hoje, nomes como Sarney, Calheiros e Barbalho são exemplos de famílias que, ao longo de décadas, repetiram sucessões de mandatos e mantiveram presença significativa no Congresso e nas esferas executivas, tanto estaduais quanto municipais. A tradição de clãs políticos fortes em quase todas as regiões do país mostra como, do século XIX ao XXI, a influência familiar continuou operando como forma persistente de acesso ao poder.

Segundo especialistas, isso não é uma coincidência histórica, mas parte de uma estrutura de origem colonial que nunca foi de fato desfeita.

A herança de capital no Congresso

Dados recentes ajudam a dimensionar o tamanho desse fenômeno no topo da política nacional. Um levantamento do cientista político Robson Carvalho, doutor pela Universidade de Brasília (UnB), mostra que cerca de 2/3 dos senadores eleitos entre 1986 e 2022 contaram, de alguma forma, com capital político familiar para chegar ao mandato. O estudo "A dimensão do capital político-familiar no Senado e os prejuízos à representação democrática (1986-2022)" identificou tanto casos de transmissão direta de influência eleitoral quanto trajetórias ancoradas em vínculos com pais, avós, cônjuges ou filhos que já exerceram cargos públicos.

"A pessoa herda não só o nome da família, mas também redes de apoio, contatos, recursos e a capacidade de acessar estruturas de poder que não estão disponíveis para qualquer cidadão", afirmou Carvalho.

Em entrevista ao Congresso em Foco, ele explicou que essa dinâmica produz vantagem desigual na competição eleitoral, uma vez que o herdeiro político tende a largar na frente, tanto em visibilidade quanto em estrutura.

Para ele, essa reprodução do poder não se dá apenas por herança simbólica, mas também por mecanismos contemporâneos, como controle partidário, distribuição de emendas parlamentares e influência sobre governos municipais.

"Quando alguém exerce um mandato, usa esse espaço para gerar outros mandatos dentro da própria família."

O mecanismo

Para além dos casos mais visíveis, o cientista político Robson Carvalho afirmou que o funcionamento das dinastias políticas brasileiras depende de engrenagens pouco aparentes ao eleitor comum. Segundo ele, muitos parlamentares tratam seus gabinetes "como se fossem as cozinhas de suas casas", confundindo o público e o privado e transformando estruturas institucionais em instrumentos a serviço da própria família.

De acordo com o pesquisador, esse modo de operar atravessa partidos, governos e gerações. A influência não se limita ao sobrenome: envolve o controle de cargos, verbas, emendas, tempo de TV e alianças partidárias.

"Você tem políticos que, ao longo do tempo, já criaram uma sincronia, um cordialismo entre si. Eles liberam partido em um estado, recebem apoio em outro, formam coligações a partir de interesses mútuos", explicou.

Esse arranjo, afirmou, acaba beneficiando quem já está no topo, e especialmente suas famílias. Carvalho observou ainda que o poder se reproduz em camadas simbólicas. Em muitos municípios, o nome de uma mesma família aparece em praças, ruas, escolas, hospitais. Isso cria, segundo ele, "uma espécie de percepção inconsciente de que aquela família é natural ao poder", um efeito que amplia a vantagem dos herdeiros mesmo antes do início da campanha.

Ele também destacou que partidos políticos, frequentemente concentrados nas mãos de poucos dirigentes, funcionam como filtros que decidem quem terá acesso à disputa real. "Tem partido que é controlado por um CPF", afirmou, ao descrever legendas em que as decisões estratégicas, inclusive a escolha de candidatos, são monopolizadas por um líder ou grupo familiar. Nesse ambiente, a competição eleitoral deixa de ser aberta e passa a ser mediada por interesses privados.

O resultado, concluiu Robson, é uma renovação apenas aparente.

"Você olha e pensa que entrou alguém novo, mas é só o filho, o neto ou o sobrinho de quem já estava lá. O grupo político permanece o mesmo, só muda a geração."

Para ele, esse padrão ajuda a explicar por que herdeiros seguem avançando em 2026.

"Essa máquina nunca para. Entre uma eleição e outra, você tem prefeitos, governadores e parlamentares que foram eleitos graças a determinado grupo familiar. E esse apoio volta depois, garantindo novas cadeiras para a mesma família.

Fonte: Congresso em Foco



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