Justiça autoriza associação a plantar cannabis no RN
Com a decisão do STF de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, com limite de até 40 gramas ou seis pés de cannabis
Durante a pandemia de covid-19, a professora aposentada Elzimar Soares começou a apresentar fortes dores nas articulações, as quais ela associou a um diagnóstico anterior de artrose. O quadro fez com que a aposentada não levasse muito a sério, inicialmente, a suspeita de fibromialgia, doença que ela só identificou oficialmente este ano. O tratamento passou a ser feito com medicação psicotrópica, mas sem sucesso no alívio das dores. A mudança veio há cerca de quatro meses, depois que Elzimar conheceu a Reconstruir Cannabis, associação potiguar dedicada à produção e ao fornecimento de medicamentos à base de canabidiol a cerca de 800 famílias e que teve recentemente a atuação resguardada pela Justiça.
Há aproximadamente um mês, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) concedeu salvo-conduto coletivo, em decisão liminar, beneficiando colaboradores, associados atuais e futuro, bem como pesquisadores que desenvolvem estudos sobre o uso da cannabis no tratamento de diversas doenças, além de aplicações como a fabricação de tijolos ecológicos, desenvolvidas em parceria com a associação. Na prática, a decisão legitima a atuação da Reconstruir e o tratamento dos associados.
Agora, é aguardada a confirmação da liminar, que é inédita no Rio Grande do Norte, em um julgamento com data a ser definida. Felipe Farias, presidente da associação, ressalta o que significa a decisão do TJRN. “Em resumo, as pessoas que trabalham na associação e os pacientes que fazem o consumo de remédios à base de cannabis, não correm nenhum risco criminal a partir de agora. Além disso, a gente consegue aumentar nossa produção, atender mais famílias, e ganha aval para firmar parcerias com instituições como universidades e outros órgãos para avançar em pesquisas”, comemora Farias.
A Reconstruir Cannabis surgiu em 2018. O principal desafio nesses nove anos foram as constantes judicializações, fase que deve ficar para trás com a decisão judicial. Carla Coutinho, diretora jurídica da associação, disse estar confiante na ratificação da liminar. “Aguardamos a confirmação no plenário do TJ e confiamos nela. Por enquanto temos esta que é uma decisão monocrática, tomada pela presidência interina do Tribunal, mas o titular da Corte também já se mostrou favorável. E temos, ainda, um posicionamento do Ministério Público pós-decisão liminar sendo favorável ao nosso pleito”, afirma a diretora jurídica.
“Na prática, o habeas corpus coletivo significa segurança e possibilidade de expansão, porque na falta desse salvo-conduto, embora tivéssemos sempre a convicção de que não estávamos fazendo nada de errado, muita coisa ficava limitada apenas à publicidade e à confiança dos associados”, completa ela, em seguida. A atuação da Reconstruir começa com a produção de cannabis em uma sede agrícola aqui no RN, onde é feita a seleção do tipo de planta que será trabalhado. Esse processo é necessário porque existem plantas com teores diferentes de canabidioides,
“A depender do teor, a equipe direciona para qual tipo de tratamento a planta vai ser utilizada. São inúmeros usos – ansiedade, tratamento oncológico, autismo, Alzheimer, Parkinson e outras. Então, é preciso fazer uma preparação genética. O beneficiamento é feito em um laboratório em Natal, onde parte do material vira extrato e óleo sublingual. Em seguida, fazemos a dispensação, tanto dentro do Estado quanto para outras partes do Brasil”, descreve Felipe Farias.
A professora aposentada Elzimar Soares, de 65 anos, diz que está duplamente feliz – pelo tratamento recentemente iniciado e pela decisão da Justiça quanto à atuação da Reconstruir. “Acho a decisão um avanço louvável, até porque o tratamento com cannabis já tem grandes resultados comprovados. No meu caso, consegui aliviar tensões, dores, o que aumentou a melhora do sono e minha qualidade de vida. Sem falar que o medicamento é bem mais barato. Fora do RN, o óleo custa cerca de R$ 700. Aqui, está na faixa de R$ 230. Fico feliz também por outros pacientes que ganham com essa decisão”, comemora a aposentada.
Pesquisas
Quem também ganha com a mudança são os estudos voltados ao tema, feitos em parceria com a Reconstruir. As pesquisas coordenadas pela professora Viviane Fonseca, do Departamento de Engenharia Têxtil da UFRN, por exemplo, resultaram na fabricação de um tijolo ecológico utilizando os resíduos da produção de cannabis. “Nós utilizamos o óleo das flores obtido com o processo que leva ao beneficiamento. Chegamos a um tijolo de boa qualidade, resistente, no formato Lego, com acabamento, beleza e conforto térmico. Agora, estamos na fase de refinamento do produto”, afirma a professora
A pesquisa é financiada pela Fundação de Amparo e Promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação do RN (Fapern). Viviane Fonseca pontua que a decisão liminar do TJ impacta positivamente os estudos. “É por meio da associação que a gente consegue autorização para o cultivo”, fala. Felipe Farias, presidente da Reconstruir, destaca que, em paralelo com o avanço das pesquisas, está a possibilidade de expansão dos atendimentos. “Queremos aumentar o número de famílias atendidas para mil até o final do ano”.
A expansão também deve ocorrer em termos de estrutura. Para isso, a associação está fazendo uma vaquinha (link no Instagram @reconstruircannabis). “O objetivo é arrecadar R$ 50 mil para estruturar nossa sede agrícola e garantir equipamentos de laboratório mais sofisticados. Hoje, nossos recursos vêm das mensalidades dos associados e do valor do óleo, mas nós precisamos fortalecer e acelerar a produção e melhorar nossa estrutura”, frisa Felipe.
Fonte: Tribuna do Norte

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