segunda-feira, 24 de março de 2025

MEIO SÉCULO DE VIDA ENTRE BARBEARIA AFAGOS PEDIDOS CAMARÃO E FINDO AO LADO DELA

Um dia de princeso?

Por: Ítalo de Melo Ramalho - cientista social

É sabido que só completamos 50 anos uma vez na vida. E, por óbvio, não estou a falar de suas variações em língua portuguesa (ou em qualquer outra, imagino!) como 51, 52, 53 e assim por diante. Estou falando de 50 puro. De 5 dezenas. É claro que, nos dias de hoje, os jovens senhores que adentraram as cinco dezenas têm uma percepção da longevidade bem mais alvissareira que os do século retrasado e, até mesmo, que os de meados do século vinte.

A perspectiva de vida aumentou e, com ela, algumas buscas por uma nutrição mais saudável também. Seja pelos alimentos propriamente biológicos (proteínas, carboidratos…), que são o combustível a abastecer a máquina humana; seja pelos alimentos intelectuais e estéticos, que podem ser considerados como sobremesa para os poucos que participam do banquete principal.

Há pouco menos de um ano, na véspera de completar o fecho dos 4.9 e de iniciar os 5.0, escutei uma voz suave ao meu lado indagando-me: “amor, o que você quer de presente no seu aniversário? Mas, antes, não venha me dizer que não quer absolutamente nada. 50 anos é uma idade muito significativa para não querer nada!”. Eu respondi dizendo que não queria nada e que estava de bom tamanho chegar aos 50 com uma boa vida, saudável, e que estava tudo tranquilo: sem presentes. Aí, a vozinha respondeu: “não aceito! Eu pensei em comprar um celular. O seu está todo ferrado!”. Eu disse: não quero! Aí veio mais um diálogo: “também pensei num violão novo!”. E eu continuei a rebater. “só quero violão quando este for feito por um luthier.” Aí a vozinha respondeu: “Caramba! Você não quer nada mesmo, né?”. Olhei em direção à dona da voz e expressei, sem som, apenas com os olhos que habitam a minha cara de patife: não! Ela entendeu e viu que era impossível me convencer de receber algum presente material pelo natalício que se aproximava.

Seguimos a pequena viagem em direção ao supermercado quando, entre uma conversa e outra, lembrei que, se ela fazia tanta questão em me dar um presente, que pagasse a inscrição de um concurso que eu já havia feito, mas cuja quitação continuava em aberto. Ela concordou, entretanto, ainda continuava insatisfeita com o fecho da história.

Até que o som da informação da rádio senado é sobreposto por uma nova proposta: “Amor, você não quer um dia num salão de beleza?”. Eu retruquei: Salão de beleza?.Ela completou: Não, nestas barbearias bem chiques daqui de Aju?”. Ai eu não aguentei e disse: “Você quer me dar um dia de princeso?”. Chegamos ao estacionamento do supermercado e seguimos pelos corredores do estabelecimento em busca dos alimentos veganos para ela. No entanto, aquela proposta me pegou de jeito: um dia de princeso! Acho que vou aceitar. Fiquei me imaginando sentado naquelas cadeiras retrô, estigmatizadas pelo movimento ultra-macho-capitalista, sendo paparicado com café, cerveja ou outra bebida qualquer… Sim, seria uma experiência interessante para quem apara a crina no açougue. Aceitei. Vou lá!

Hoje, na véspera de completar mais de um ano de vida (51), a vozinha começa a me atanazar com a proximidade do dia 19 de abril. Só que dessa vez o agrado vem com sabor de camarão. Considerando o desastre que foi o meu anterior dia de princeso, a vozinha, dessa vez, tá me seduzindo com algo que é parte do meu cotidiano: o livro-curso de direito penal e processo penal. Entretanto, conhecendo as superstições que circulam pelo meu juízo, vou preferir que os regalos estejam mais voltados para uma boa pizza do que para as novas lições do direito criminal e muito menos para o mercado dos fios de quem já iniciou a queda das telhas. Para os 51, aliás, nada me faria tão bem quanto assistir a filmes ao seu lado.

Blog 30zero7


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