Em busca do alimento para o seu leitor, o cronista observador do cotidiano encontra um "Parlamento" nada convencional
Por: Ítalo de Melo Ramalho
Conversando com um amigo sobre as crônicas que eu venho escrevendo, ele me disse assim, na lata, que gostava muito mais das crônicas que escrevo quando pareço estar com os dois pés fincados nas ruas; do que aquelas que parecem ter um verniz, um polimento mais rigoroso com a linguagem; talvez retórico ou até chato mesmo! De cara concordei com a observação dele. Entretanto, sei que o exercício criativo da escrita se faz em várias frentes de batalha. De qualquer maneira, entendo que às vezes nos identificamos mais com um tipo de texto do que outros. E assim segue a vida e o curso do riacho. Inclusive, o literário.
De toda forma, comentei com esse amigo que quase sempre, aos sábados, estou me perdendo por entre as ruas da Atalaia. E numa dessas saídas, despretensiosas, acabei achando O Parlamento. Sim, O Parlamento! Distante do seu sósia institucional quando comparado às questões formais, este, apesar de guardar a essência da discussão, nada tem a ver com as solenidades do seu homônimo. Explico: esse parlamento que falo é um boteco que mais parece um estúdio de cinema, devido aos que lá circulam, do que propriamente uma espelunca completa. Apesar de também sê-lo.
Nessa instituição etílica, muitos personagens extrapolam as suas realidades, a ponto de ultrapassarem, sem constrangimento algum, aqueles que se apresentam nas grandes telas do mundo inteiro. Se tem uma coisa que caracteriza os ébrios habituais, além dos limites do artigo 4º do Código Civil, é a capacidade de exercer com grandiosidade o seu papel. Gente com alcunha das mais curiosas: Zé Pereira, A Mulher do Cachorro, Jackson Travolta, Ligeirinho, Peido Branco e outras personalidades mais rotativas.
Domingo passado foi dia de eleição municipal. E como sabemos há obrigatoriedade da regra jurídico-política. Nesse exemplo: o exercício da cidadania em 2º turno se espalhou por algumas das cidades mais relevantes. Aqui, em Aracaju, a disputa mexeu com as gentes.
Por isso, no dia anterior ao sufrágio, o bendito sábado, escutei n’O Parlamento uma disputa ideológica entre dois habitués do estúdio. Ops! Do bar. Entre tantos ataques de parte a parte, um disse que, se determinado candidato fosse eleito, a capital de Sergipe estaria prestes a sair da rota dos relâmpagos: porque aqui eles não iriam mais quedar como forma de protesto ao representante. Em resposta à provocação, o outro sustentou que o pior seria se Pablo do Qual é a Música? se sagrasse como vitoriosa no pleito municipal. Pois correríamos a possibilidade de nos enfiarmos de vez na lama. Ou melhor: na blasfêmia da prosperidade.
Entre uma gordura e outra da política eleitoral, o dançarino, Jackson Travolta, me abordou de mansinho no pé do balcão dizendo: doutor, eu sei que o que o senhor gosta é da fuzarca; e que termina enrolando esses otários com essas conversas sobre assuntos chatos e irrelevantes. Mas, também, desconfio que o senhor gosta de música; e música é a minha área de ofício. Podemos conversar um pouco? Claro, Travolta. E comecei o diálogo indagando sobre o que tem de novo na música(?). Sem saber que morei anos na capital do Rio Grande do Norte, o meu interlocutor afirmou que a coisa mais nova da MPB é um cantor chamado Zezo.
Antes que aprofundássemos no tema, resolvi recolher as minhas tralhas e voltar para a minha residência. Estava cansado e ansioso com as eleições, e um tanto quanto perturbado com as cenas daquela manhã. E com uma vontade de falar ao amigo que n’O Parlamento o direito de voz é garantido a todos/as; o de imaginar também. Já o dever de escutar: nem tanto. Por isso, antes que o extraordinário viesse acontecer, calcei os meus pisantes e me pus a correr para longe daquele cinematográfico ambiente, porque, ao longe, uma manada de rinocerontes e alienígenas me pedia para ficar.
Blog 30zero7
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