quinta-feira, 3 de outubro de 2024

ARTIGO DO CIENTISTA SOCIAL ÍTALO DE MELO RAMALHO


O fim da classe média: a fragmentação de um modelo que já não constrói sociedades

Os valores sociais coletivos que marcaram a trajetória da sociedade dinâmica do século XX acabaram se perdendo diante de promessas não cumpridas

Por Ítalo de Melo Ramalho

O meu texto para a Coluna Noosfera é mais uma conversa, um apanhado de anotações, do que um texto estritamente autoral, no sentido que essa modalidade tem de propor, em algum momento, novas reflexões. Explico! Estive lendo por esses dias o livro O fim da classe média: a fragmentação de um modelo que já não constrói sociedades do geógrafo francês Christophe Guilly. Entre essa leitura, digamos, principal, aconteceram algumas fugas. Leituras paralelas que, em certa medida, contribuíram para um olhar sobre O fim da classe média (...). Essas fugas podem ser entendidas como uma pausa, uma espécie de reabastecimento (considerando que o livro de Guilly é extremamente reflexivo), para que eu pudesse respirar e partir para o desfecho do livro.

No entanto, após concluída a leitura, fiquei extremamente mexido e cheio de dúvidas. Por esse motivo, resolvi (inicialmente com os meus botões) escrever um fichamento no intuito de deixar registradas as minhas observações para, quem sabe em outro momento, retornar ao livro a partir destas anotações. Pensei uma, duas... e achei melhor deixar o registro aqui, na Típico Local.

Pois bem, o enredo principal do livro versa sobre o fim da classe média. Diz o autor que o fim da sociedade é marcado pelo fim da classe média. Pensei “se essa premissa for verdadeira, o que é que teremos em um ‘futuro’ bem presente entre o andar de cima, a burguesia, e o andar de baixo, os trabalhadores e toda sorte de periféricos? Com o fim da classe média, os valores por ela representados se desmancharam e serão absorvidos pelo ralo dos comuns? Ou simplesmente serão esquecidos a ponto de não se ter mais conhecimento do que existia como capital cultural desse seguimento social?” Ou seja, ao entrar pelo ralo ou ser esquecida, a classe média começa a participar da a-sociedade (não sociedade: periferia). O que é irônico porque essa não sociedade sempre existiu e, no entanto, jamais foi observada pela classe média como um conjunto social de fato e de direito.

Aqui, faço em breve síntese para discorrer um pouco sobre o que significa ser a-sociedade na visão do autor. Acredito que Guilly quis dizer que a-sociedade, ou a não sociedade, quer dizer que aqueles valores que estruturavam a busca pelo bem comum, foram abandonados durante o jogo das experiências pelas quais vivia a classe média. Os valores sociais (coletivos) que marcaram a trajetória da sociedade dinâmica do século XX acabaram se perdendo diante de promessas não cumpridas. A finalidade, para o autor, é argumentar que a classe média foi abandonada pela burguesia. E esse abandono fez com que esse segmento passasse de uma estrutura social a outra. Para um setor que nunca fez parte dos planos burgueses quando o que se estava em jogo era o bem comum.

Nesse sentido, entendendo o bem comum como um conjunto de significados que explicam as sociedades, a a-sociedade quer dizer o contrário, quer dizer que as políticas difundidas e praticadas em boa parte do lado ocidental foram postas de lado, acabando por serem preteridas pela política do neo-individualismo, da extrema individualização, da precarização do indivíduo e do salve-se quem puder.

Para sairmos dessa crise é preciso criar um novo ethos sócio-político que envolva questões a serem valorizadas, ou até mesmo, ressignificadas, a partir das relações entre os atores e as suas práticas cotidianas. Deve-se levar em conta aspectos que possam fabricar condições nas quais os efeitos negativos da globalização passem a ser territórios de luta e, principalmente, de conscientização do papel social que cada indivíduo possui.

Portanto, votem com o coração e não com o fígado!

Blog 30zero7


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