Conto: ZÉ DO MUNDO
Durante 364 dias do ano ele era uma pessoa comum. Trabalhava como cabeceiro no quadro do mercado. Tinha uma força hercúlea: conseguia carregar três sacos de açúcar de uma só vez: um, preso pelos dentes; dois, distribuídos sob cada braço. Era um tipo mediano, grosso, torado no meio, como se diz no popular. Morava na Rua do Cipó.
Durante um dia do ano, porém, que agora não recordo se era no domingo ou na terça de carnaval, se transformava, se fazia especial, extraordinário, era o Caçador do bloco carnavalesco Os Índios.
Na encenação d'A Morte do Caçador não ficava a dever a nenhum desses atores de novela da TV. O espetáculo geralmente ocorria alí em frente ao prédio onde hoje é a Biblioteca Municipal Pacheco Dantas, que na época foi a residência do dentista Canindé Cavalcanti e posteriormente do comerciante Hélio Venâncio.
Zé do mundo encarnava o personagem O Caçador com maestria. Menino magrinho, me espremia na pequena multidão em volta do bloco para assistir ao imperdível espetáculo A Morte do Caçador, que tinha em Zé do Mundo o ator principal. Com uma enorme cobra viva enrolada no pescoço, Zé do Mundo, histriônico, encarava o público com olhos esbugalhados, que faiscavam, fazendo um medo dantesco a molecada. A Morte do Caçador era o ponto alto do carnaval. Não assistir ao espetáculo era como ir a Roma e não ver o Papa; mutatis mutandis, podia se dizer que o freguês não tinha participado do carnaval, que naquele tempo tinha muitos blocos populares e de elite, além de papangus nas íngremes ruas da cidade. Zé do Mundo brilhava como ator sem nunca haver sequer pisado na calçada de escola de arte cênica. A cena final, com Zé do Mundo sendo morto pelos índios, era impressionante por seu realismo. Zé do Mundo - O Caçador -, ferido mortalmente pelas flechas indígenas, caia no chão com todo o corpanzil ensanguentado, sem largar a espingarda e a cobra, que, de tão acostumada, parecia tudo entender.”
Blog 30zero7
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