domingo, 11 de setembro de 2022

TRIBUNA DO NORTE RELATA HISTÓRIA DE DOIS CEARÁ-MIRINENSES SEQUELADOS PELA POLIOMIELITE

Conheça as histórias de quem vive com poliomielite

“Eu digo aos pais que vacinem seus filhos, porque eu peguei a doença e escapei nos pênaltis”. O apelo é do comerciante Gilson, de 70 anos, nascido e criado em Ceará-Mirim. Ele teve poliomielite no início da década de 1950, quando estava prestes a aprender a andar. Também em Ceará-Mirim, Marcos Farias, hoje com 51 anos, foi levado ao farmacêutico da cidade por causa de uma febre aos seis meses de idade. Acreditando tratar-se de uma gripe, o profissional orientou  que ele fosse medicado com um analgésico. “Contam que, no dia seguinte, minhas pernas estavam moles e que eu não conseguia ficar em pé”, relata Marcos.

As histórias do comerciante Gilson José de Vasconcelos e do vereador Marcos Farias têm mais em comum do que o simples fato de terem nascido e de viverem, até hoje, na mesma cidade, na Região Metropolitana de Natal. As marcas de uma doença que, em sua forma mais grave deixa sequelas como a paralisação e alteração dos membros inferiores, é outro ponto que os dois compartilham, cada um, a partir da própria trajetória de vida.

Gilson, infectado em 1952, não pôde contar com o auxílio da vacina, porque ela sequer existia (o anúncio de imunizante para combater a doença só aconteceu em 1955). Marcos, acometido em 1971, ou seja, duas décadas após o contágio de Gilson, não tinha acesso fácil à vacina, que só “chegava muito tempo depois”. A poliomielite, também chamada de paralisia infantil é uma doença contagiosa aguda, provocada pelo poliovírus, que pode contaminar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas infectadas.

A pólio pode causar ou não paralisia e nos casos graves, os membros inferiores são os mais atingidos. Marcos conta que teve as duas pernas afetadas.  “A [perna] esquerda é mais fina, enquanto a direita é totalmente 'morta'. As sequelas se agravaram e afetaram a bacia. O médico disse que, com o passar do tempo, a tendência é um dia retornar para a cadeira de rodas, que já usei quando os problemas se aprofundaram”, afirma o vereador.

"Meus pais disseram que eu estava começando a aprender a andar”, relata Gilson, sobre o momento em teve a doença. Ele estava prestes a completar um ano de idade. “Fiquei com a perna direita 'seca' e mais curta e com problemas no quadril”, afirma. As sequelas provocaram, ainda, uma elevação nas costas  de Gilson. Aos 5 anos, ele ganhou o auxílio de muletas para se locomover com mais facilidade, mas descartou o apoio meses depois, por não ter se adaptado ao suporte.

Já para Marcos Farias, as muletas são companhia até hoje, para quem, as expectativas em relação ao futuro, com a possibilidade de agravamento das sequelas, causam apreensão, mas as  dificuldades do passado também inquietam o vereador. Por causa das implicações, ele relata que só começou a andar aos sete anos, exatamente quando ganhou as primeiras muletas. Foi nesse período que Marcos chegou à escola, fase que provocou bastante preocupação  aos pais.

“Eu sofria muitas quedas e, até essa idade, eu não andava. Só me arrastava pelo chão ou ficava no braço de minha mãe. Ela tinha medo de as crianças me derrubarem na escola”, detalha. Mesmo com as barreiras, Marcos seguiu em frente nos estudos, assim como fez o ambulante Gilson José.

 “Os problemas nunca me impediram de fazer nada”, assegura Gilson, que já trabalhou como datilógrafo, fez curso de Administração e atuou no futebol na posição de goleiro. Farias também não se deixou abater pelas dificuldades, mas confessa que deseja um mundo com menos discriminação e com mais consciência. “Passei por muito preconceito em vários lugares, porque as pessoas, por falta de instrução, me discriminavam”, desabafa.

Com baixos índices, Sesap faz apelo por vacina

A vacina contra a poliomielite é indicada para crianças de 1 a menores de 5 anos de idade. O esquema do Calendário Nacional de Vacinação é composto por três doses da vacina inativada poliomielite (VIP), administradas aos dois, quatro e seis meses, e com a vacina oral poliomielite (VOP) aos 15 meses e aos 4 anos de idade. A meta de cobertura vacinal do Ministério da Saúde é de 95%.

A baixa procura, no entanto, tem deixado as autoridades em estado de atenção.  A Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou o Brasil em alerta máximo. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) lançou uma campanha (“Paralisia Infantil: a ameaça está de volta”) e o Ministério da Saúde prorrogou o prazo de imunização, que agora segue até 30 de setembro. Um caso suspeito da doença é investigado no Município de Rorainópolis (RR).

No Rio Grande do Norte, o último caso de paralisia infantil foi registrado em 1989, em São José do Seridó. A Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), informou que também vê alto risco de reintrodução da doença no RN, em razão da baixa cobertura na grande maioria dos municípios potiguares. Até essa sexta-feira (9), apenas 25,32% do público-alvo no Estado havia sido imunizada.

A pasta afirmou que as causas para a baixa adesão são multifatoriais, mas destacou a  “falsa sensação de segurança”, uma vez que pais e responsáveis não conviveram com doenças já erradicadas pela vacinação décadas atrás. “Além disso, as fake news e as dificuldades no acesso à imunização também dificultam o avanço”, disse a Sesap, em nota.  

No próximo dia 17, a pasta irá fazer um “dia D” de vacinação, a fim de atrair o público à imunização. Outra estratégia será a ampliação do horário de funcionamento nos postos aos sábados ou em outros horários, como o turno da noite. A Sesap informou que irá sugerir a busca ativa através das equipes de Estratégia de Saúde da Família e parcerias com outros setores, como escolas, igrejas e sindicatos, para divulgação da campanha.

Na capital, os índices de vacinação também são ínfimos (de 13%) até o início da noite da última sexta. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS/Natal) informou que, além das Unidades Básicas de Saúde, a vacina pode ser encontrada em pontos extras de vacinação (shoppings Via Direta e Midway Mall e Partage Norte, além do Ginásio Nélio Dias).

Para quem teve convive com os impactos da doença, não há outra opção a não ser pedir pela imunização.   “Se a gente não tiver cuidado e carinho com nossos filhos, pode acontecer que elas fiquem como eu, com sequelas da pólio, porque a doença existe”, alerta Marcos Farias. “Vacine as crianças, pelo amor de Deus”, frisa Gilson José.

Índices

O Rio Grande do Norte é o Estado do Nordeste com pior índice de vacinação contra a poliomielite, de acordo com os dados do Ministério da Saúde (MS). Apenas 25,32% do público-alvo (crianças de 1 a 5 anos de idade) estava imunizado contra a doença na tarde dessa sexta-feira (9). Os dados do MS apontam, ainda, que o RN ocupa a 24ª posição no ranking nacional em relação à taxa de vacinação, ou seja, a quarta pior do Brasil. A baixa adesão em todo o Brasil fez com que a Campanha Nacional de imunização fosse prorrogada até o dia 30 de setembro.O imunologista Leonardo Lima explica que, mesmo erradicada (em 1994), o vírus segue em circulação e, por isso, a vacina é primordial. “Sem imunização, um grupo de crianças não vacinada pode ser afetado com uma forma grave da doença. E isso reforça, certamente, o papel dos pais na prevenção e no cuidado dos filhos”, diz. Para atrair o público para a campanha, o especialista afirma que são necessárias novas estratégias, como a disponibilização da vacina em escolas, por exemplo.

“Evidentemente que colocar o imunizante aos finais de semana [como acontece com o “dia D] é importante porque atinge um público que trabalha de segunda a sexta e não tem tempo de levar os filhos para o posto de saúde. Mas, descentralizar a vacinação para as escolas, sejam públicas ou privadas, vai permitir uma maior adesão e de forma mais rápida e mais efetiva”, sublinha Leonardo Lima.

Fonte: Tribuna do Norte


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