Covid: suspensa cláusula que isenta escolas e município de responsabilidade
O Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal determinou, em caráter liminar, sem prejuízo da retomada das atividades educacionais no setor privado de Natal, a suspensão da exigência e dos efeitos jurídicos decorrentes do Termo de Autorização, constante do Anexo II, do Decreto Municipal nº 12.054/2020. O documento contém uma cláusula de não responsabilização da instituição de ensino ou do Poder Público por eventual contaminação ou desenvolvimento da Covid-19 pelos alunos no retorno às atividades.
A decisão judicial atende ao pedido feito por um advogado que ajuizou Ação Popular contra o Município de Natal e o Prefeito Municipal, alegando que os réus editaram o Decreto Municipal nº 12.054/2020, onde está contido o referido Termo de Autorização, o qual reverteria, exclusivamente, à família do estudante a “responsabilidade por ocasional evento danoso relacionado à contaminação ou desenvolvimento da COVID-19”, perpetrando clara ofensa à Constituição Federal e à disciplina consumerista, com a subversão de “todo o ônus da decisão para apenas um dos agentes da relação”.
O termo de autorização, agora suspenso pela decisão judicial, dizia: “Declaro estar consciente que posso exercer o direito de escolha entre as modalidades de ensino (remota ou presencial), sendo livre de qualquer coação ou induzimento a opção de enviar o meu (minha) filho (a) à escola, não podendo responsabilizar a instituição de ensino ou o Poder Público por eventual contaminação ou desenvolvimento da COVID-19”.
A decisão determina a notificação, pessoalmente, do Município de Natal e do prefeito Álvaro Dias para, no prazo de cinco dias, cumprir a decisão judicial, publicando no Diário Oficial do Município o teor da decisão, sob pena de multa diária arbitrada em R$ 10 mil, a qual será suportada por cada um dos réus.
O Município de Natal alegou a ausência de interesse do autor pela inadequação da via eleita. Além disso, defendeu que o pedido é juridicamente impossível, por invadir matéria de reserva da Administração. Acresceu que a ação popular é descabida, porque não estão configurados seus requisitos. No mais, sustentou que os efeitos do pedido antecipatório são irreversíveis, originando o perigo da demora inverso, pelo que se impõe o indeferimento do pleito.
Decisão
Quando analisou a demanda, o juiz Bruno Montenegro Ribeiro Dantas entendeu que o interesse de agir foi demonstrado, uma vez que o autor necessita do ajuizamento da ação para pleitear o direito que reputa ser devido. “Verifico, outrossim, que a via eleita pelo autor, a saber, a ação popular, afigura-se apropriada. Deveras, a ação popular, especialmente após a CF/88, deve ser lida e interpretada consoante seus valores e princípios”, anotou.
O magistrado registrou que a intervenção judicial no caso não deságua na violação ao postulado da separação dos poderes, tampouco ignora a crise que acomete a economia, tanto no setor público quanto no âmbito privado.
Ele observou que, diante do que foi anexado aos autos até então, o ato impugnado viola frontalmente a sistemática da disciplina consumerista vigente no Brasil, constituindo uma subversão da Política Nacional das Relações de Consumo, estabelecida no art. 4º e 5º, do Código de Defesa do Consumidor.
Para o julgador, a perdurar a exigência da declaração contida no Decreto Municipal nº 12.054, de 9 de setembro de 2020, se ratifica o desequilíbrio contratual e a abusividade em todos os contratos de serviços educacionais, circunstância que descortina um claro prejuízo para o consumidor, quando considerada a essencialidade do serviço educacional para a coletividade, o que pode conduzir a resultados desastrosos.
“O consumidor dos serviços de educação estará fadado a figurar em uma relação jurídica deturpada, na medida em que sobre si recairá, de forma invariável e presumida, toda a responsabilidade pelo risco da atividade do fornecedor, além da obrigação de custeá-la”, decidiu Bruno Montenegro, alertando que o cenário que se constata desvela uma danosa e patente violação da proteção constitucional conferida ao consumidor.
Para o juiz, a declaração retira da Administração Pública a responsabilidade por qualquer evento danoso que venha a ocorrer, em razão da prestação dos referidos serviços, o que agride os princípios da Constituição Federal, especialmente o da legalidade e o da moralidade, com clara desobediência ao princípio da proteção à confiança.
“E digo mais: a isenção irrestrita de responsabilidade arrefece a seriedade e o ímpeto no cumprimento dos protocolos de segurança, previstos no próprio decreto municipal vergastado, e, a um só tempo, tumultua a compreensão dos pais e demais responsáveis quanto às obrigações que devem ser atribuídas, a princípio, às escolas privadas e/ou ao Município de Natal, causando embaraço ao acesso à justiça”, finalizou.
Fonte: Portal Grande Ponto
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