quarta-feira, 11 de setembro de 2019

AS LENDAS BRASILEIRAS EM CEARÁ-MIRIM - ACLA

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A MULHER QUE VIROU SERPENTE

Joventina Simões Oliveira

Lendas, segundo muitos, são frutos da imaginação de um povo ou de uma região e são difundidas pela oralidade dos mais antigos ou por intermédio de conhecimentos adquiridos durante toda uma vida.

Verdade ou mentira? Não se sabe. Inventado é o personagem central da lenda e lenda é a história que se conta sobre o personagem.

No Ceará-Mirim d’antanho, no período dos senhores de engenho, numa época em que se mantinham seres humanos como “propriedade”, muitas crueldades foram praticadas diante dessa permissibilidade.

Contavam que havia em Ceará-Mirim uma senhora de engenho que, para os seus empregados e escravos, era a personificação do “demo”, do “coisa ruim”, do “tinhoso” ... E, de fato, ela tinha um comportamento extremamente cruel para com eles, principalmente com os escravos.

A sua maldade era tanta, que assustava até os outros senhores de engenho, a ponto da memorialista Magdalena Antunes aludir no seu livro Oiteiro (pag. 115, Ed. A.S. Editores, 2003) que “Todo negro ruim, o senhor logo dizia assim: ‘vou vender-te ao dono daquele engenho...’ E o infeliz, amedrontado, melhorava a conduta”.

Os empregados do engenho daquela senhora comentavam, corriqueiramente, que ela mantinha os seus escravos presos no porão da casa-grande, quando eles não estavam a seu serviço pessoal, no eito do engenho ou na sua cozinha. Àqueles que “deslizavam” das suas ordens, os castigos vinham imediatamente e de forma cruel, até desumana, pode-se dizer.

Contava-se que, entre os castigos aplicados, pela cruel senhora, os mais comuns eram: pregar a orelha do escravo numa parede e isso feito, era dada uma ordem de trabalho aquele ser reduzido à condição sub-humana que, amedrontado, saía correndo, deixando a sua orelha na parede.

Outras vezes mandava aplicar “açoitadas”, que era uma “surra” com um tipo de chicote confeccionado com cinco tiras de couro retorcido, cheio de nós, chamado “açoite”, que feria as costas do escravo. E, por vezes, depois dessas açoitadas, os escravos tinham os ferimentos esfregadas com sal, suco de limão ou qualquer outra substância que causasse extrema dor além de garantir que as cicatrizes fossem acentuadas.

Isso era contado de forma dramática, como que sentindo a dor, fazendo-se comparação dessas punições aos “castigos do inferno”.

Em razão de tanta maldade, dizia-se que quando esta senhora morreu, o retorno que Deus lhe impôs, foi o de trazê-la de volta à terra, transformada numa gigantesca serpente, que habitava o interior do túmulo. E ainda que, muito revoltada, aquela cobra forçava as paredes, para escapar daquele lugar, marcando o jazigo com várias rachaduras.

E continuavam dizendo que, preocupado com aquela luta, o esposo da falecida mandou aplicar fortes doses de cimento no túmulo e o arrodeou com correntes de ferro, para impedir a pretensa fuga da serpente, evitando assim que as maldades daquela senhora fossem repetidas.

Mas eu ouvi muito esta estória, quando eu era criança, da minha babá, Palmira (morta em 1998). Ela narrava de uma forma tão convincente, que eu transformava aquela fantasia em realidade, e eu tinha muito medo.

Num certo dia de finados, nos anos 1950, eu criança, chegou lá em casa uma informação de que a serpente estava quase saindo do túmulo e que a cidade estava em polvorosa. E eu, mesmo com muito medo, quis ir ao cemitério, saber se aquela estória era verdadeira, mas a minha mãe não consentiu. Fiquei muito decepcionada.

Será que era verdade? Até hoje eu não sei ...

OBS.: A imagem que ilustra esta matéria, é uma pintura à óleo, feita em 2017, numa das paredes da sala do Casarão Guaporé, de autoria do artista plástico conterrâneo Vilela, numa referência a esta lenda.


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