JOSÉ PACHECO DANTAS
Luís da Câmara Cascudo
Publicada inicialmente na coluna “Acta Diurna” do Jornal “A República”, edição de 25/01/1942.
O texto, ora apresentado, foi obtido em “O livro das Velhas Figuras”, volume I, edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-IHGRN, Natal, 1974, páginas 24/26.
José Pacheco Dantas não vê o Rio Grande do Norte há mais de quarenta anos. Não existe, entretanto, ninguém mais bem informado da história, sucessos, produção, recursos, fórmulas administrativas, conquistas modernas Estado, literatura, economia, figuras velhas e moças. Não podendo ficar no Rio Grande do Norte, levou com ele um outro Rio Grande do Norte”, miniatura com movimento e vida, crescendo e subindo dentro de sua memória que a saudade ilumina e amplia.
Como um velho Merlino, Pacheco Dantas evoca, no turbilhão carioca, as paisagens doces e contemplativas do vale em que nasceu, a frescura das águas correntes, a maciez aveludada dos canaviais sussurrantes.
“Vous n’alliez pas à la Bretagne,
La Bretagne est venue à vous.”
Como cantava Charles Le Goffic aos bretões de Paris, recordando a lenta procissão de coifas brancas no PARDDON DE LA REINE ANNE.
Visitei-o ainda na Rua do Senado. Era passear, numa distância de dois mil e quatrocentos quilômetros nas terras potiguares. Tudo lembrava, sugeria, materializava o Rio Grande do Norte. Desde o saguão, corredor, sala, gabinete, dependência, sucediam-se as secções de um mostruário, de um museu, de uma exposição, numa aparatosa, constante, obstinada exibição do pequenino Estado.
Quadros, mapas, retratos, jornais, amostras de produtos, diagramas, esquemas, indicações, livros, revistas, tudo permitia a presença do Rio Grande do Norte, numa demonstração material, visível, imediata de suas possibilidades, de suas riquezas, de seu trabalho.
Nesse meio, falando, pigarreando, sonhando, discreteava José Pacheco Dantas ensopado de ternura, irradiante de emoção, ressuscitando o passado, citando os Vivos, animando, projetando, planejando, entusiasta, otimista numa mocidade de coração, desafiadora do Tempo.
Mas, ao Rio Grande do Norte, deve José Pacheco Dantas apenas o direito de filho. Direito não. Dever. Tem tido os deveres e nunca os direitos. Aquele madrugador vigilante nos interesses norte-rio-grandenses nunca recebeu um sinal coletivo de distinção, um gesto claro de simpatia. Nunca lhe permitiram o ambiente favorável para que desenvolvesse aquela força em potencial. Foi uma grandeza útil que se multiplicaria em serviços. O que fez, realizou individualmente, com suas energias com sua inteligência, num esforço diário e lindo de perseverança e dedicação admiráveis.
Nascido a 28 de agosto de 1880, no Ceará-Mirim, era farmacêutico em 1902, cirurgião-dentista, e, em 1905, médico. Sua tese, “Sífilis e Casamento”, é, cronologicamente, a primeira apresentada em favor do exame pré-nupcial.
LE CORRESPONDANT MEDICAL, a famosa revista médica de Paris, dirigida pelo Prof. Dr. J. Dallaz, publicou-lhe a fotografia, dizendo ser uma justa homenagem ao “ilustre e benemérito médico brasileiro.” A Confederação Brasileira de Trabalho, no Rio de Janeiro, proclamou-o “Glória do Rio Grande do Norte”. |Um seu jornal, A GAZETA DO NORTE, foi publicado em quatro idiomas. Sua candidatura à deputação federal e vereança municipal foi levantada pelos cariosas. Recebeu festas significadoras do apreço que conquistou. É sócio das mais antigas, prestigiosas e beneméritas associações nacionais.
Primeiro a promover, responsabilizar-se e dirigir bandos precatórios na Capital Federal em favor dos flagelados pelas secas de 1902-3, fê-lo com cinco bandas de música, seguidos pelos alunos da Escola Naval.
Colaborou em quase todos os jornais do Brasil.
No jornalismo militante (é sócio remido da A.B.I.) é nome conhecido. Figura como fundador de jornais desde 1894. Veterano ainda sólido e sabedor. Sua voz constituiu elemento ponderável para que o Loyd Brasileiro fizesse entrar no porto de Natal o primeiro vapor, o “Planeta”. Colaborou tenazmente pela Estrada de Ferro Central.
Velo, doente, ainda estuda a utilização dos sargaços, industrialização vitoriosa que possue no Japão quinhentas usinas de beneficiamento e nenhuma no Brasil.
E quando esse lutador desaparecer, “quod Deus avertat”, dormirá o último sono longe de tudo quanto amou. Mas está envolvido em sua essência. Seu túmulo está forrado de terra do Ceará-Mirim, e dessa areia alva e fina é cheio o travesseiro onde repousará a cabeça do lidador.
Foto de Luís da Câmara Cascudo obtida do site http://www.adorocinema.com
Foto de Pacheco Dantas acervo da ACLA
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