quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ESQUECIMENTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA: ÉPOCA DA VIDA HUMANA QUE DESAFIA OS PESQUISADORES

Amnésia infantil: por que não temos memórias de quando éramos bebês

O esquecimento dos primeiros anos de vida é uma experiência universal, mas as razões por trás desse fenômeno ainda geram debate científico. Segundo a BBC News, embora eventos como o nascimento, os primeiros passos ou palavras sejam marcos importantes, a maioria das pessoas não guarda memórias concretas dessa fase. Esse fenômeno é conhecido como “amnésia infantil” e tem sido estudado há décadas por neurologistas e psicólogos.

O ponto central da amnésia infantil gira em torno de duas questões levantadas por pesquisadores como Nick Turk-Browne, professor de Psicologia e Neurocirurgia na Universidade de Yale: “Criamos memórias nos primeiros anos, mas somos incapazes de acessá-las depois? Ou simplesmente não formamos lembranças até crescermos?” Essas perguntas orientam teorias e experimentos sobre o funcionamento da memória nos primeiros anos de vida.

Durante grande parte do século XX, predominava a ideia de que bebês não geravam memórias duradouras. Dois principais argumentos sustentavam essa visão: alguns pesquisadores apontavam que a amnésia infantil estaria ligada à falta de um senso de “eu” totalmente formado ou à incapacidade de falar, ambos considerados essenciais para codificar e recuperar lembranças de forma consciente.

Outra explicação, de base neurobiológica, envolve a maturação parcial do hipocampo, estrutura cerebral responsável pela formação de novas memórias. Turk-Browne afirma que “não podemos criar memórias até aproximadamente os quatro anos, porque o hipocampo ainda não está completamente desenvolvido”. Ele explica que o tamanho do hipocampo mais que dobra durante a infância, o que significa que as primeiras experiências podem não ser armazenadas por falta dos circuitos necessários.

Pesquisas recentes desafiam a ideia de que recém-nascidos não conseguem formar lembranças. Um estudo liderado por Turk-Browne, publicado no início de 2025, analisou a atividade cerebral de 26 bebês de quatro meses a dois anos. Durante a observação de imagens, os cientistas monitoraram o hipocampo e registraram a direção do olhar dos pequenos.

Os resultados mostraram que, quando o hipocampo de um bebê era mais ativo ao ver uma imagem pela primeira vez, ele tinha maior probabilidade de lembrá-la depois, especialmente após os 12 meses de idade. Isso indica que o hipocampo já consegue codificar algum tipo de memória desde o primeiro ano de vida, desafiando a noção anterior de que as memórias infantis não existem.

Apesar desses achados, permanece a dúvida sobre se essas memórias se mantêm e podem ser recuperadas posteriormente. Turk-Browne afirma: “Se estamos armazenando essas memórias, isso levanta questões fascinantes: onde estão? Ainda existem? Poderíamos acessá-las?”

Estudos em mamíferos, como ratos, mostraram que memórias formadas na infância podem ficar inativas e, embora pareçam esquecidas, podem ser reativadas por estímulos artificiais no hipocampo. Resta descobrir se algo semelhante ocorre em humanos ou se as primeiras lembranças se dissolvem naturalmente com o tempo.

Investigar a amnésia infantil também é complicado devido aos falsos recuerdos. Catherine Loveday, professora de Neuropsicologia na Universidade de Westminster, alerta que é quase impossível determinar se a primeira memória de uma pessoa é verdadeira. Segundo ela, a memória é sempre uma reconstrução, e o cérebro pode reconstruir algo que parece totalmente real.

Mais do que uma questão neurológica, o esquecimento da primeira infância desafia nossa percepção de identidade. Turk-Browne observa que esse “ponto cego nos primeiros anos de vida realmente desafia a forma como pensamos sobre nós mesmos”.

A amnésia infantil vai além da neurociência, envolvendo consciência e construção da identidade pessoal, um enigma que a ciência ainda não decifrou por completo.

Fonte: BBC News



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