Política, palavra e o jogo do bicho
*Ricardo Sobral, observador da cena política
Segundo Padre Vieira, maior expressão do Barroco Brasileiro, para falar ao vento, bastam as palavras; para se falar ao coração são necessárias obras.
Obras no sentido de ações, acrescento.
Na política, aproveitando o ano fluente de eleição municipal, se faz oportuno lembrar que a palavra - no mais das vezes - é usada para confundir, simular, dissimular, esconder o pensamento, escamotear a verdade.
Poucos fazem política como ciência, com base em postulados, com respaldo em experiencias vividas. A maioria faz política como arte, intuitivamente, quando não o faz como negócio.
O jogo do bicho foi inventado em 1892 pelo Barão de Drummond para custear o Zoológico do Rio de Janeiro. Logo virou mania nacional e faz parte do folclore brasileiro. Para se ter ideia do largo espectro de sua capilaridade, registra-se que apenas uma escola de samba do RJ não é financiada pelo Jogo do bicho. Hoje, mesmo considerado contravenção penal, é a instituição mais séria do País, tem mais credibilidade perante a população do que a suprema corte. Vale o que está escrito, dito e reduzido a termo no papel. Cantou o bicho, paga-se imediatamente o prêmio. Não há notícia de alguém em tempo algum que levou calote.
Para o observador político experiente, mais vale o que não foi dito e o que está dito nas entrelinhas do que o que foi declarado pelo agente político e o que está posto no papel. Se a palavra não tem âncora e não se harmoniza na ação ou na omissão é um risco n’água, não vale nada, foi dita “para inglês ver”.
Na terra de Potiguaçu não é diferente: não se fala em programa de governo, interesse público, desenvolvimento, bem-estar-social. Esqueçam! Estão focados na própria sobrevivência. Daí as alianças antagônicas, incompatíveis programaticamente.
Em 1982, ao reconhecer o resultado adverso da campanha para governador, o Dr. Aluízio Alves – lembro como se estivesse vendo novamente agora mesmo – declarou em discurso dolorido: “agradeço a todos quantos, movidos por seus legítimos interesses pessoais, participaram da minha campanha. A luta continua.”
O interesse pessoal, pois, não é só do político. É do eleitor, segundo suas demandas imediatas, sem preocupação com as da sociedade, o que lembra a passagem bíblica: conhece-se a árvore pelos frutos. O eleitor é a árvore; seu representante, o fruto de sua escolha.
A quatro meses da eleição para prefeito em quase seis mil municípios brasileiros, se se quiser saber em qual candidato determinado político vai votar, não se preocupe com o que ele fala. Observe qual o interesse dele na eleição e o movimento que ele faz ou deixa de fazer. Seu andar comissivo ou omissivo. Vai-se observar que essa ação ou omissão beneficia ou prejudica determinado candidato. Ele é capaz de votar hoje no adversário em prejuízo do correligionário se isso lhe resultar em beneficio mais adiante.
Olhando o cenário, pode-se ver todo mundo em campo, feito o aquecimento, cada um ocupando sua posição. O apito inicial já se fez ouvir, começou o jogo. Façam suas apostas.
Blog 30zero7
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