Comissão do Senado apresenta relatório final do novo Código Civil
Após apresentação do relatório, caberá ao Congresso analisar PL que promove alterações no Código
Na tarde desta segunda-feira, 26, relatores-gerais da comissão de juristas que elaborou proposta de atualização do Código Civil brasileiro (lei 10.406/02) apresentam o relatório final do colegiado, no Senado.
O documento foi produzido com base em sugestões encaminhadas por estudiosos e representantes dos setores da sociedade civil e debatidas em reuniões dos juristas no Senado e nos Estados.
Pela manhã, a comissão realizou audiência pública com o ministro da Suprema Corte argentina, Ricardo Lorenzetti, para entender quais foram os desafios, a organização e as estratégias na elaboração do novo Código Civil da Argentina.
Nesta segunda se inicia o prazo para emendas e destaques. Após apresentação do relatório, caberá ao Congresso Nacional analisar o PL que altera a legislação civilista.
Parte geral
A relatora, desembargadora Rosa Nery, afirmou que a intenção das alterações, na parte geral do Código, foi trazer, nos primeiros artigos, uma alusão à personalidade internacional, incluindo no sistema a ideia de que a possibilidade de ser sujeito de direito respeita tratados internacionais, dando a todos o direito de exercer direitos civis.
No art. 5º foram propostas mudanças para dar mais expressão às crianças, que poderão expor vontades em casos de direitos de família, principalmente quando os pais não concordarem entre si.
No mais, foi sugerido o acréscimo do termo "morte encefálica", no art. 6º, que trata do fim da existência da pessoa natural.
Capacidade civil
Rosa Nery destacou que nos artigos que abrangem registro civil das pessoas naturais e respectivas averbações, foi proposta exigência de documentação mais precisa quanto a dados pessoais.
Direitos da personalidade
Segundo a relatora, foram propostas modificações em diretivas de vontades no fim da vida, práticas das pessoas no trato de interesses personalíssimos (imagem, nome, identidade), relações entre pessoas e seus animais (afetividade).
Convivente
Foi proposto o uso do termo "convivente" em vez do termo, atualmente utilizado, "companheiro", nos casos de união estável.
Animais de estimação
A relatora Rosa Nery apontou que no art. 91-A foi proposta definição de animais como seres vivos, passíveis de proteção jurídica própria em virtude de sua natureza especial.
Transmissão de bens imóveis
No art. 108 foi proposta modificação para que se exija escritura pública em toda relação que transmita bens imóveis, não importando o valor.
Obrigações
Professor Flavio Tartuce pontuou que quanto a juros, foi sugerida a adoção da teoria mais simples, de 1% com possibilidade de, no máximo, dobrar, conforme lei de usura. Rosa Nery destacou que temas sobre responsabilidade civil terão grande incidência nos debates futuros.
Direito de empresa
Segundo a relatora, o ponto nevrálgico quanto ao direito empresarial serão as especificidades dos contratos empresariais. Os dois relatores entendem que colocar o tema no centro do livro de empresas, como propôs a subcomissão, é tratar a matéria de forma assistemática. Eles concordam que tais especificidades devem ser alocadas na parte que trata dos demais contratos.
Contratos
Flávio Tartuce relatou que quanto à ampliação da liberdade contratual, ela foi aceita nos contratos paritários e simétricos.
Segundo o professor, talvez o primeiro tópico a ser debatido será questão de ordem relativa à posição do tema da "renúncia prévia à herança" dentro do Código. Tartuce entende que deve estar no art. 426 do CC, e Rosa Nery entende que deve ficar no art. 1.695 do CC, na parte de regime de bens.
Quanto à doação de cônjuge ao cúmplice, a comissão propôs a revogação, com a qual Tartuce concordou e Rosa Nery discordou.
O início do prazo para ação anulatória, segundo proposta dos relatores, será contada do início do registro, ou da ciência anterior, o que ocorrer primeiro.
No mais, ressaltaram aperfeiçoamentos propostos para princípios, vícios redibitórios, evicção e extinção dos contratos.
Direito das coisas
Tartuce afirmou que a matéria do direito das coisas tem diversos pontos que não se encontram maduros para abordagem, como o novo sistema de garantias proposto por um PL ainda em trâmite no Congresso ou a adoção da propriedade fiduciária como patrimônio separado.
Com relação ao pacto comissório, o relator admite sua liberação em contratos paritários e simétricos, mas Rosa Nery a refuta. Outra divergência entre os relatores está no critério para a usucapião. Tartuce entende que ele deve ser o da justa causa, Rosa Nery entende que deve ser o do justo título.
Afirmaram que propuseram tratamento quanto à locação por aplicativo, regramento para estabelecer que a propriedade obriga o proprietário e melhorias no tratamento da multipropriedade.
Ademais, destacaram que foram feitas alterações pontuais em todos os direitos reais.
Direito de família
Segundo Rosa Nery, não há possibilidade de unanimidade nos assuntos de família. Ainda assim, as decisões devem ser práticas com um olhar voltado à segurança.
Os relatores divergem quanto à denominação do título: direito de família ou direito das famílias? Para Rosa Nery a primeira opção é mais própria, por abranger famílias "indefinidas". Ela entende que a opção "das famílias", defendida por Tartuce, seria mais restritiva.
Foram incluídas no CC proposições de proteção à gravidez dentro do espaço de segredo familiar, para evitar a impertinência de comentários e interferências desnecessárias nas decisões da mulher e dos casais.
Houve, ademais, proposta de separação dos conceitos de família conjugal, abrangendo casamento e união estável (registrada ou não), e de família não conjugal. Esta última abarca pessoas que se unem, na intenção de constituir família, mas composta por membros como irmãos que passam a morar juntos após a viuvez.
Os relatores apontaram que o termo concubinato foi retirado do Código Civil, e o processo de habilitação de casamento foi ajustado, tendo sido proposto um "procedimento pré-nupcial", mais simples.
Ainda, ressaltaram divergência entre a manutenção ou extinção de causas impositivas de separação de bens em casos específicos. Para Tartuce elas devem ser extintas, mas Rosa Nery entende que devem ser mantidas.
Sucessões
Tartuce afirmou que o trust não foi considerado como integrante do fideicomisso.
Já quanto à proposta da subcomissão de manutenção da concorrência sucessória, não foi acatada pela relatoria geral, que sugeriu um sistema mais simples, conforme o existente no CC de 1916, separando regime de bens e sucessão.
Ademais, Tartuce pontuou sugestões de ampliação no direito real de habitação e da possibilidade do usufruto em casos de vulnerabilidade.
Direito digital
Uma inovação do novo texto, segundo Flavio Tartuce, foi o livro de Direito digital que ficará localizado no final do CC.
Os relatores anunciaram a criação dos seguintes capítulos:
Disposições gerais;
Pessoa no ambiente digital;
Situações jurídicas;
Direito ao ambiente digital transparente e seguro;
Patrimônio digital;
Herança digital;
Crianças e adolescentes no ambiente digital;
Inteligência artificial;
Contratos digitais;
Assinaturas eletrônicas;
Atas notariais eletrônicas.
Eles também apresentaram propostas de artigos tratando do direito de desindexação e ao esquecimento, com a retirada de conteúdo ofensivo a partir de alguns critérios e sem prejuízo da responsabilidade civil.
Ao final, pontuaram que o tema dos "neurodireitos", conforme proposto pela subcomissão, não foi tratado profundamente pela relatoria geral, até este momento.
Fonte: www.migalhas.com.br